quinta-feira, 7 de maio de 2009

40 dias e 40 noites!






Naquele dia, o céu ficara escuro cedo. Ventava-se muito, o vento cantava como nunca antes. As árvores eram dobradas pela a força do vendo, os animais se escondiam, meu cachorro uivou como se estivesse gritando a sua angústia. Sim, toda a Terra sentia o que a precedia e chorava. Lamentava-se em todo o canto a dor dos que pré-sabem da sua própria morte.
Meus filhos, brincavam no quintal quando o primeiro raio iluminou o céu. Paola aos 7 anos, entra correndo e se agarra aos meus pés. Seus olhos revelavam o medo. Bruno, como o homenzinho da casa também morria de medo, mas fingiu bem a coragem, fazendo seguir a tradição de que o homem precisa dar proteção e não recebe-la. Minha linda esposa preparava um bela sopa. Todos sabíamos que o tempo iria fechar e em dias de chuva nada melhor do que uma boa sopa e uma boa brincadeira em família no chão da sala.
As primeiras gotas caíram lá pro final da tarde. Botei o cachorro pra dentro e tirei do varal algumas roupas secas. Algo parecia errado. Ao contrário de todas as outras chuvas, as plantas não me pareciam agradecidas com as gotas que se precipitam dos céus. Mas enfim, entrei, jantamos, brincamos e fomos dormir.
Quando acordo vejo que a chuva não diminuíra e nem dera nenhuma trégua. No quintal já se faziam as primeiras lamas, os rios já corriam apressados e inchados e o céu mudou de cor, estava numa mesclagem de preto e rocho. Raios era a todo o momento, canções dos céus e silêncio na vida da Terra, algo estava pra acontecer. Três, quatro, cinco dias de chuva direito. As crianças já não saíam mais, as lágrimas nos seus olhos pareciam querer competir com a chuva que caía. Minha esposa pouco falava. Seu silêncio parecia-me um pedido de desculpas...
Os móveis já estavam sendo colocado, em lugares mais altos. O chão da sala já não era mais visível. As crianças estavam encarceradas no quarto de cima. O estoque de comida já estava acabando. Vira e mexe Paola me fazia doer o coração com suas reclamações de fome. Nossa família perdera o sorriso e só a angústia, o pavor e o cheiro de morte pairava nas ruas. E mais dias se passavam com chuva, muita chuva.
Minha mulher grita. Corro com as lágrimas advindas do desespero de já se saber as frases contidas no grito. Paola morrera. Não suportara a fome. Minha esposa chorava, meu coração dilacerava, meu filho ficava mais magro, minha esperança, meus sonhos tinham se transformado em pó. Para a minha filha não se possibilitara nem um enterro, pois, do lado de fora a água já havia tomado todo o chão.
Na minha casa já nada se falava, já nada se sorria, já se esperava a morte, já se queria o fim. Acordo com águas no terceiro andar e pego meu filho muito doente no colo. Minha esposa junta o resto do pão e subimos pra laje da casa. Já era só água o que se via. Não havia mais árvores, barcos por todo lado, corpos boiavam: animais, homens, crianças, senhoras jaziam mortos sobre as águas. Alguns nadavam, outros brigavam para entrar nos barcos, a chuva caía, caía... e os choros já sobressaíam o desabafo dos raios.
Meu filho olha pra mim. Minha esposa somi. Vou para a parte dos fundos da laje e vejo minha esposa morta. Suicidara-se com um pedaço de pano. Um mulher adornada sempre de perfume não poderia suportar o cheiro de morte. Uma mãe não suportaria ver morrer seus filhos.
Meu filho pergunta pela a mãe e eu suporto minhas lágrimas. Escondo a minha dor e digo que ela estava ocupada no banheiro. Abraço o meu filho apertado, respiro uma, duas, três vezes. E bato em sua cara para ele desmaiar. As águas já não nos deixara espaço na laje. Jogo-o no novo mar que surgira e pulo logo atrás. Afundo abraçado com meu filho. Espero calado a morte chegar também a mim. Disputo lugares entre os corpos que se desmanchavam nas águas. Vejo minha visão embaçar e fecho os meus olhos. Penso na minha família reunida, no meu cachorro que morrera, nos meus filhos, vizinhos, amigos, nos meus sonhos e morro abraço com meu filho.
Dizem que chovera quarenta dias e quarenta noites. Que alguém fizera aquilo por que a humanidade havia se perdido e que aquilo se chamava justiça. Aos meus filhos, as crianças do mundo todo fizera-se justiça. No fim todos boiaram mortos, exceto uma família todos os seres humanos morreram. Mas o que se diz sobre o silêncio da morte, o céu escuro, o cheiro do fim, as milhares de milhares de carnes mortas sobre as águas? é que os dias de pânico que minha família viveu foi no fundo, um ato de justiça feito por aquele que conhece todas as coisas antes de elas possam acontecer, aquele que tem todo o poder , o que tem misericórdia eterna, paciência infinita, ama a Terra mais do que ela junto poderia amar. Sim, no fundo não há o que reclamar foi tudo em favor do Bem e do Amor....Chama-se esse episódio de : Dilúvio.